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Ateorizando a lombra (2016)

No final de 2016, o pessoal do Cinerama, da Escola de Comunicação da UFRJ, Daniel Santiso, Lorran Dias e Max William Morais, me convidaram pra escrever um texto pra Semana Cinerama daquele ano. Tinha como tema “(re) existir”. O catálogo tá aqui.

Senti uma vontade de mexer no jeito de escrever. Trabalhei dentro de uma estrutura numerada, jogando com ela, trabalhando pausas, sentidos e uma certa ritmia do fluxo do texto e das ideias. Pessoalmente, foi um texto que abriu uma certa vertente no que escrevo, mais solta e dinâmica, onde o sentido e o efeito geral vem da combinação de mais de uma camada. Acho que foi nele que escrevi a ideia de “impropriedade” pela primeira vez, e é uma palavra que me interessa cada vez mais.

De certa maneira – e acho que ali não era consciente – é uma tentativa de inclinar a escrita pro que Torquato Neto fazia magistralmente no jornal no começo dos anos 70. É sem dúvida uma das minhas leituras mais formativas. Fundamental mesmo. Mas, ali na lida, em 2016, não pensei nisso não. Queria só botar mais energia na escrita, jogar com a mancha gráfica, com oralidade e tudo mais. Não falar só sobre.

Agraceço o convite das amigas.

Aqui vai o texto original:

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Catadas as citações abaixo, começa o texto:

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“Ao invés de reconhecer e corrigir suas falhas fundamentais, [as elites] estão dedicando suas energias para demonizar as vítimas de sua corrupção, a fim de deslegitimar as queixas e, assim, se livrar da responsabilidade de resolvê-las de forma significativa. Essa reação serve apenas para reforçar a percepção de que essas instituições da elite são irremediavelmente egoístas, tóxicas e destrutivas e, portanto, não podem ser reformadas, devem ser destruídas. Isso, por sua vez, só assegura que haverá muitos outros Brexits, e Trumps, em nosso futuro comum.” (GG)

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e

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“Diante das obras inegociáveis de Nuno Ramos, a última coisa que eu penso é: “estamos fodidos”. E a primeira é “vamos nessa”, “vamoquevamo”, e outras expressões que nascem de um pessimismo sublimado, como uma gíria fresca, nova. São obras que versam sobre a abundância, não sobre a falta, problematizam o futuro como algo indeterminado, independente de otimismo ou pessimismo. Se será bom ou ruim, habitável ou respirável, pouco importa: há que ser novo, radicalmente novo. Não seria o grande desafio para o pensamento brasileiro das próximas décadas dar corpo a esse sentimento alienígena, não somente nas artes, mas também nas formas de vida, buscando problematizar constantemente a pergunta: como pensar o Brasil na abundância? (BO)”

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Hmmmmm

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“Se há caminho, este se constituirá a partir do delírio, da subjetividade, da leveza de uma posição singular, criativa e transindividual, de uma duração própria que pode se ramificar em outras atitudes e pensamentos. Não de uma ciência redentora, muito menos de uma ira santa apoiada na certeza das evidências. Ainda falamos de uma “gaia ciência”. (BO)”

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Quando tá escrito BO, vem daqui http://materialmaterial.blogspot.com.br/2014/06/pensar-na-abundancia-ou-poetica-da.html

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Quando ta GG, vêm daqui https://www.youtube.com/watch?v=A-XmzzgVqPM

Mentira

(Verdade)

Vem daqui https://theintercept.com/2016/11/09/democratas-trump-e-a-perigosa-recusa-de-entender-as-licoes-do-brexit/

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Bixo, bixa, eu não sei como fazer um cinema de re existência, uma arte insurgente, não sei mesmo. Espremendo, talvez, tenha umas pistas. Este texto tenta pistas.

15x

Por último: entender que a produção de arte, a reconhecida institucionalmente, advém de um bizarrice, que é ser produzida por um mesmo grupo e seus descendentes e correlatos, até que se entender isso como natural, primeiramente.

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Segundo, essa sempre foi uma ficção fraca.

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Sempre aconteceu outra coisa.

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Sempre.

Portanto, como sugestão: vamos à outra coisa:

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A citação que ta lá em cima alerta isso. Sem perceber e atuar a partir da distorção da ficção da centralidade, não vai rolar nada. O discurso da centralidade só me parece ser uma opção quando seu objetivo é suicida (obrigado movimento punk, vocês entenderam as coisas. E entenderam sem “entender”, o que nesse caso é melhor ainda. Objetivo perene: pensar com outras partes do corpo – cabeça é chifre e boné)

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A “outra coisa” no cinema sempre esteve e sempre está por aí: tem que botar ela pra trabalhar.  Nomear acho que adianta pouco. Porque uma pista que o texto do Bernardo lá em cima dá (vai no link e lê): a coisa, a outra, não vai ser individual. Essa re existência, vai ser de outro jeito.

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A sensação é que uma das forças disso é um vetor de impropriedade. Fazer o trabalho das artes, das experiências em geral, como um trabalho da impropriedade, do que não é próprio, apropriado, ou apropriador, apropriante: arte como trava língua, como lambida da língua presa. Jogar com uma afirmação de algo que escapa, escorre, esbanja e ostenta: ABUNDA.

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Não é a falta, ou a carência que manda. (Na verdade, pra isso, é preciso ter o que comer, e isso não pode ser esquecido, nunca – esse texto existe porque há o que comer por aqui –  e um note). A sensação é de que a fome não ajuda que se pense em outra coisa. Provavelmente, há um delírio da fome,  e ele é uma onda, o modo de vida dos que tem fome é de alguma maneira uma estética. Não precisa ter fome o tempo todo, pra intuir isso, mas há um modo de vida a ser explorado como forma e como estética. (Há uma escala da experiência que a fome, o delírio, alucinação e a idiotia sugere. Há outras.)

Um sinal forte é a música popular, o funk, especialmente. É visível ali o urdimento de um modo, que passa por uma figura poética que acho que rende, que é a figura do “delirante”, do “errado”, poderíamos dizer (faltou palavra melhor). Daí penso no MC Bin Laden, no MC Brinquedo  e toda uma poética construída em torno do que é, pelos olhos da centralidade, o que há de mais idiota. O problema é que a “idiotice”, como qualquer material, pode ser ritmado, intervalado, relacionado e se transformar em um trabalho, em uma ação de impropriedade. Pega daqui, imita, saca, faz bateria com a boca, boca com bateria, moto cantada, o tuim do lança, cinema sem câmera, filme sem imagem, um mundo reconstruído que não precisa dos guardiões da cultura e da civilização, não precisa da elite cultural (nada contra as canções do Chico, tudo contra seu uso corrente: TUDO).

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Come out to show them Come out to show them Come out to show them Come out to show them Come out to show them Come out to show them Come out to show them Come out to show them Come out to show them Come out to show them Come out to show them Come out to show them Come out to show them Come out to show them Come out to show them

https://www.youtube.com/watch?v=g0WVh1D0N50

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A coisa passa por uma dobra, pegar o chicote do sinhô e virar do avesso e rebater.

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O escravismo como ética, como filosofia, se tornou um modo de vida, que dá a base da vida branca de um modo. O trabalho de percepção do escravismo é constante e exige atenção redobrada de todas. O bicho pega. E não larga. Acorrenta. Diz respeito a simplesmente quase tudo, à quem fala, como fala, quando fala, quem mascara, quem cumprimenta, que pode esperar pela utopia, que tem grana pra ser vegetariano, ou não, quem consegue pagar as contas pra ser cineastra, crítico. O escravismo, no Brasil, está sempre no jogo, e é um fenômeno, ou melhor, uma instituição fundadora, de uma ética, poderosa, silenciosa e gritona. Onde ele mais se sente à vontade é deitado sobre as boas intenções, sob cheirinho de consciência limpa, malandramente.

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Re existir é entender seu sistema e desfiá-lo com paciência.

Esse “re” é o “outro”, a “outra”, a “amante”. Um cinema menos “fiel”, um cinema mais “amante”.  Amante imanente.

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Sim, é preciso ampliar o cardápio de modos de vida. Gueto é uma estratégia temporária e não um norte, nem um sul. Quando solidifica, já era. Sem porta aberta, não passa nada. FURA PAREDE.

3

No “Brasil diarréia” HO deu o papo: “o que importa: a criação de uma linguagem”: HO HO HO.

(Isto é: outra coisa.)

Não de “uma”, mas de “outras”, de todas. Invenção, isto é, trabalhar com o que tem, pra fazer o que não tem, sem ser propriamente “de” ninguém.

(Te vira)

2

Dá pra ver: o impróprio: violentar o cinema, a cultura, para torná-los  eles mesmos, porque só existem como ato. Cinema é outro nome pra movimento. Movimento é outro nome pra tráfico. Tráfico é outro nome para “maximização de lucro dos negócios da família” (empreendedorismo), de um comerciante no Rio no século XX – só que de gente, vende gente, vem da gente.

Cinema tem tudo com isso. E não tem nada quase. Então é preciso, ou talvez seja bom, ou nem, talvez seja viagem: subir um exército de gifs, de memes, de não cinema, pra fazê-los respirar, ou aspirar qualquer coisa que produza sensação de vida, de movimento, mesmo que da morte como potência. Se o mundo morreu,  botaí a zumbizada pra dançar: vai e dá-lhes trabalho.

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Antes de tudo, o final:

Sugestões de lemas para um manifesto que nunca vem ou para a volta dos que não foram:

“Incontinência selvagem”

“Incorporação fabricante”

“Ética da confusão”

“Arminha ignorância swaga”

“A trapologia do ato”

“Santificação relativa da umidade”

“Colagem sensual”

“Mão no queixo”

Pra começo de conversa.


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