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Minha lista para Sight&Sound 2022 de filmes de todos os tempos

No convite da revista Sight and Sound tinha um link pra um formulário para 10 filmes. Nome, ano, direção, comentário curto opcional. Passei umas horinhas pensando que critérios usar. Dei uma olhada nos últimos top 10. Claramente, é um contexto de dominação do norte global. Ainda não tenho convicção de que essa foi a maneira mais fértil de contribuir. Se me chamarem em 2032, estarei mais safo. Esses textos foram escritos no meu inglês quebrado. Em português, foi a tentativa de tradução de uma tentativa de pensar em inglês. Coisa precária, é o que temos. Aqui vai:

Limite
Ano: 1931
Dir.: Mario Peixoto
Peixoto’s Limite is a suggestion of what experimental narration in cinema could be – in a south american way. Melancholy functions as a tool for abundance of elements. Sadness doesn’t necessarily mean scarcity – and that’s a classic undervelopment’s formula. It’s a prolific poem, a rhythmic gem, that inspires and haunts Brazilian cinema. It’s an open path still not completely explored. Paulo Emílio Sales Gomes frequently talked about our “creative capacity of copying”. That’s what Peixoto maybe tried to do with French Impressionist Cinema, and, as always around here, invented a new thing, in a totally different context. It’s the best film of the next century, I guess.

Limite é uma sugestão do que a narração em cinema poderia ser – à maneira da América do Sul. Melancolia funciona como ferramenta de abundância de elementos e ritmos. Tristeza não significa escassez – e essa é uma fórmula basilar do subdesenvolvimento. Um poema prolífico, uma pérola rítmica, que inspira e assombra o cinema brasileiro. Um caminho aberto ainda não completamente explorado. Paulo Emílio Sales Gomes falava da nossa “incompetência criativa em copiar”. Talvez tenha sido o que Peixoto tentou fazer com o cinema impressionista francês, e, como sempre por aqui, inventamos uma outra coisa, num contexto totalmente outro. Provavelmente, o melhor filme do próximo século.


Makwayela
Ano: 1977
Dir.: Jacques d’Arthuys; Jean Rouch
Probably the best remake of Lumiére Brothers “Workers Leaving the Lumière Factory”. It’s about the necessity and the need we share of creating new tongues. The meeting of Rouch and the African continent changed the art of cinema forever. There’s an atmosphere, a tone, that infected all small budget fiction all around the world. Even when it tries to pretend, cinema is an amateur tool, an experimental machine. Makwayela – the dance – is an advanced technology for expression and for remembrance: cinema, afterall. Possibly, the most beautiful militant film ever.

Provavelmente, o melhor remake da Saída dos operários da fábrica, dos irmãos Lumière. É sobre nossa necessidade premente de criar novas línguas. O encontro entre Rouch e o território africano mudou a arte do cinema para sempre. Há uma atmosfera, um tom, que infecta todo filme de baixo orçamento no mundo todo, que tem aqui uma de suas nascentes. mesmo quando tenta fingir que não, o cinema é uma ferramenta amadora, uma máquina experimental. Makwayela – a dança – é uma avançada tecnologia de expressão e memória: cinema, afinal. Possivelmente, o mais belo filme militante que já houve. Cantar é mover o dom.

Trouble Every Day – Desejo e obsessão
Ano: 2001
Dir.: Claire Denis
Comment: Cinema has always been about desire. Denis created one of the most gorgeous fables about this fundamental topic. Somehow all of us have wanted to enter through the surface of the celluloid, to break the barrier of skin. The boundary between the intense desire and the annihilation of the other is really a daily problem. All figurative arte deals with the question of contour – as all living creatures. Most of the history of human imagery is about touching. And that’s the definitive parable about that subject.

Filme sempre foi sobre desejo. Denis criou uma das mais deslumbrantes fábulas sobre esse assunto fundante. De alguma forma, todos nós já quisemos atravessar a superfície do celulóide, furar a barreira da película. A fronteira entre o desejo intenso e a aniquilação do outro é realmente um problema cotidiano. Toda arte figurativa lida com a questão do contorno – assim como toda viva criatura. A maioria das imagens humanas versa, de alguma forma, sobre tocar coisas. E essa é a parábola definitiva sobre isso.

Terra em transe – Entranced earth
Ano: 1967
Dir.: Glauber Rocha
Nelson Rodrigues, Brazilian greatest playwright ,once wrote that Glauber Rocha’s third feature “is a triumphal vomit”. There has never been a political thriller with such and perfectly unbalanced form, with such a mastery of flowing through different tones and modes of narration. Glauber is not making a theory about trance, but creating a trance about theory. An opera out of synch, an essay film, a sound piece, an anticolonial masterpiece.

Nelson Rodrigues, disse: “aqueles sujeitos retorcidos em danações hediondas somos nós. Queríamos ver uma mesa bem posta, com tudo nos seus lugares, pratos, talheres e uma impressão de Manchete. Pois Glauber nos deu um vômito triunfal. E qualquer obra de arte para ter sentido no Brasil precisa ser essa golfada hedionda”. Nunca houve um thriller político com uma forma tão lindamente desequilibrada, e com essa maestria em variar de tons e modelos de narração. Glauber não está fazendo uma teoria sobre o transe, mas criando um transe sobre a teoria. Uma ópera fora de sync, um filme ensaio, arte sonora e uma obra prima anticolonial.

Invisible Adversaries – Oponentes invisíveis
Ano: 1977
Dir.: Valie Export
One of the most beautifully edited comedies of all time. Speculative fiction with such a perfect pace. This is one of those films that seems like could last forever, in the sense that it keeps producing one more great idea per second, and one more, and another… It’s a bit like Fellini with estrogen and paranoia. A very precise study of masculinity. A great double bill with Luc Moullet’s Anatomy of a Relationship.

Uma das comédias mais bem montadas de todos os tempos. Ficção especulativa com maestria rítmica. Depois de Duck soup, dick soup. É desses filmes que parecem que podem durar pra sempre, pois não para de produzir novas ideias a cada segundo, mais e mais uma… Meio como Fellini com paranóia e estrogênio. Um estudo preciso sobre masculinidades. Daria uma bela sessão dupla com Anatomie d’un rapport (Moullet/Pizzorno).

Cabra Marcado para Morrer (Man Marked for Death – Twenty Years Later)
Ano: 1984
Dir.: Eduardo Coutinho
To be colonized is to have your history stolen. And naturally, to build it up again, and again. Coutinho’s cinema is always about the modes of this exercise of building it. And about this imposed intimacy with death and erasure.

Ser colonizado é ter sua história roubada. E, naturalmente, construí-la de novo, e de novo. O cinema do Coutinho é sempre sobre os modos do exercício de reconstrução permanente, a cada gesto expressivo. E sobre a essa imposta intimidade com a morte e o apagamento.

Histoire(s) du Cinéma – Histórias do Cinema
Ano: 1988-1998
Dir.: Jean-Luc Godard
Cinema is where we echo André Bazin’s question “What is cinema?”. Cinema usually lies where we doubt its presence. Godard made the masterpiece of film essays combining a unstoppable childlike enthusiasm with electronic video tools and a consistent conscience of visual history.

Cinema está onde ecoa a pergunta de André Bazin “O que é o cinema?”. Geralmente, o cinema está onde duvidamos da sua presença. Godard fez a obra prima do vídeo ensaio combinando um imparável entusiasmo quase infantil com as novas ferramentas eletrônicas e uma consciência consistente de história visual.

Twin Peaks: The Return – Twin Peaks: o retorno
Ano: 2017
Dir.: David Lynch
The glorious end of the myth of storytelling. Lynch knows exactly how to evoke and provoke through the tropes of american narrative culture and reveal its its inherent void. There’s nothing behind the door. And the door, maybe it’s a window. It’s never clear wether Lynch is creating a proto-cinema or a post cinema. But nothing is in time. Lynch is such a gifted film critic.

O glorioso sepultamento do mito normativo do storytelling. Lynch sabe exatamente como evocar e provocar através dos tropos da cultura narrativa estadunidense e revelar sua vacuidade inerente. Não tem nada atrás da porta. E talvez a porta seja uma janela. Não é nítido se Lynch faz um pré cinema ou pós cinema. Mas nada está em tempo. Lynch é um grande crítico de cinema.

Meshes of the afternoon – Tramas do entardecer
Ano: 1943
Dir.: Maya Deren
Another poem about trance. Another trance about poetry. There are some films that exhale the strong power of spreading the independent desire of one to make its own film, to discover their own language, to develop their own way of production. Every single object in the film has a very intense sense of presence, of being a living thing. Dreaming is essential. That’s why capitalism wants to kill it.


Mais um poema sobre transe. Mais um transe sobre poesia. Há alguns filmes que exalam o desejo contagioso de cada um querer fazer seu filme, de descobrir sua língua singular e sua forma de produção. Cada objeto aqui tem um intenso senso de presença, de coisa viva. Sonhar é essencial. Por isso o capitalismo quer matar isso de qualquer jeito.

Love is the message and the message is death
Ano: 2016
Dir.: Arthur Jafa
A militant film against property. An inappropriate film about history. An exciting film about death – about what some call the “death of cinema”. Cinema is everywhere. Is within the cut. Death is somehow a matter of rhythm, a matter of falling. So, falling on the ground is, somehow, rehearsing. This is a masterpiece about repetition, about practicing, and the process of transmitting things through other modalities of languages. This is like Oscar Micheaux remaking Histoire(s) du Cinéma.

Um filme militante contra a propriedade. Um filme inapropriado sobre história. Um filme vital sobre a morte – sobre o que alguns chama de “a morte d(n)o cinema”. Cinema está por todo lado. Tá no corte. Morte é questão de ritmo – de certa forma. Então, cair no chão é uma espécie de ensaio, repetição (“chão, chão, chão”). Esta é uma obra prima sobre repetição, sobre praticar, e sobre o processo de transmissão através de outros tipos de línguas. É como se Oscar Micheaux realizasse um remake de História(s) do Cinema.


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